sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ser Louco é Normal

Dizem que há uma manhã em que todos nos acordaremos com fome e não vamos comer nada, apenas ficaremos a escutar o som dos pássaros lá fora, sem nada pra dizer, apenas cantando o que a natureza irracionalmente os mandou cantar, alguns até diriam que é para embelezar o dia, mas esta manhã estará nublada. Dizem que haveremos de, todos nós, contemplar os dessegredos deste ex-mundo de deus, de reclamar para um ex-deus do mundo qualquer de nossas misérias, e ouvir em retorno a resposta irretorquível de que não somos miseráveis coisa nenhuma, e então nos sentiremos contentíssimos demais para voltar pra casa, e nos sentaremos na estrada mesmo, bem ali, onde nos foram dadas as respostas, e... Perdão? Ah! O poema... Sim, sim... Está logo abaixo. Divirta-se!


É aniversário das coisas de amanhã
Já percebo o quanto sou solitário
Minhas maneiras de viver passeando por aí
Meus rumos se amontoando no assoalho

Já passei por tantas fadigas engraçadas
Já perdi o brilho de todas as caras
Agora presto tanta atenção nas gentes
Quanto o chão presta na escada

Sei que é normal
Sei que ser louco é trivial
Ninguém é louco de verdade
Sou um manancial
De mágoas, sou a eternidade
Que cabe nos fundos da tua casa

Eu tentei ver no espelho dos corações
E alcancei os olhos de ninguém
Afugentei a cabeça das canções
Mas das lembranças tuas não escapei

Vi muitas almas virando outras tantas
Quase todas sorriam pra mim
Mas agora é aniversário de amanhã
Vou ver o que faço com meu jardim


Diorgi Giacomolli, 17 de Março de 2009.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Monturo

(Digite aqui sua introdução para este poema).


Contente com o alheio repúdio
Passo vendo as caras escarninhas
Em um corredor doente e imundo
Feito um jardim de ervas daninhas

Um sorriso curto me serve de escudo
Vou até o fundo, de onde fico atento
A cada parte de nada, e a cada tudo
Pendurados no ar parado e amarelento

Abro da janela uma pequena fresta
Pra deixar sair a doença dos corpos
Os porcalhões continuam a festa
Dando guinchos felizes, feito porcos

Querem a minha saúde e liberdade
Querem minha vaidade e desdém
Mas eu não sou dessa cidade
Nem estou próximo a ninguém

Logo me esquecem, pra meu deleite,
Vendo que não me podem seqüestrar
Então deixo de ser o enfeite
Da alheia maldade e bem-estar

Vou para casa, mas não é o fim
Amanhã tem mais corredor eterno
Meu paraíso vai continuar assim:
Até dezembro com cara de inferno.


Diorgi Giacomolli, 20 de Agosto de 2009.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Balada da Infância Perdida

Até agora não havia postado aqui nenhum poema de Sociofobia, meu segundo livro. Esta balada que aqui se encontra não tem muito a ver com o título do livro, que este só ganhou tal nome por causa do poema de abertura do mesmo. Agora, dizer que Balada da Infância Perdida não tem a ver com o título do livro é um equívoco - quem foi que se atreveu a tal disparate? Bem, deixa pra lá, peguemos o criminoso depois. Esta obra exemplifica, sim, os problemas sociais que vinha enfrentando o seu autor na época em que a produziu: no momento em que negas tua infância, é um momento em que te encontras em um não-presente.


Se alguma vez fostes criança
Criança nunca fostes em vida
Tudo o que tens são lembranças
De coisas supostamente vividas

Foram, talvez, sonhos confusos
Imagens pelo tempo ressequidas
Memórias que, quando no túmulo,
Serão eternamente esquecidas

Então terás novos sonhos
Em uma vida chamada morte
Talvez pesadelos medonhos
Talvez não dormirás, com sorte

Dançarás então a morta dança
A balada da infância perdida
E se em morte vives, esperança
É o que tens por enrustida

Mas dessa morte virão novas vidas
E destas, ainda, outras crianças
Certamente de existência fingida
De um fingimento que nunca cansa


Diorgi Giacomolli, 16 de Março de 2008.

domingo, 4 de outubro de 2009

Linda

O Poeta Morreu é realmente a produção que mais me agrada. Penso que foi neste livro que consegui dizer tudo o que sentia antes, durante e depois de minhas terríveis diásporas, que foram terríveis na época, agora são tão importantes quanto o que fiz ontem: nem sequer me lembro, nem sequer volta. Quando escrevia tal livro, tinha na cabeça a seguinte ideia: não mais farei poemas. Hoje vejo que a ideia de morte ao poeta que fui/era/sou (?) não era alusiva ao fim da poesia, nem um pouco, mas sim ao fim da musa. Ao esgotar-se a fonte da inspiração, o bardo agoniza por algum tempo mais, e finalmente tem o seu termo. É por isso que O Poeta Morreu foi a ante-penúltima de minhas obras, e não a última, mas bem que poderia ter sido.


Aconteceu tudo que tinha, linda,
Aconteceu e foi...
Todos os sobrados da rua desabaram,
Os prédios mais altos sumiram...
Tudo o que eu encontrei, na verdade,
Não havia sido encontrado.

Cá distante, nessa existência cansada,
Linda, assisti
Aos maiores titãs entrarem em desacordo.
Quisera eu, uma vez, tomar parte,
Pequena,
Mas há certas coisas que não são certas,
E outras são coisas outras,
Certamente erradas.

Quiséramos nós, amada,
Lutar contra os tempos,
E talvez até, nos temporais, tenhamos tentado
Ou talvez tenhamos só querido,
Meu bem, e assim
Não é o jeito certo, algo me diz,
De ser lutado, não é assim
Que deveríamos ter encarado.

Mas dizer o que é devido ou não,
Princesa, é muito vago...
Creio que devamos apenas nos contentar
Com o amor que temos, ou tivemos,
Ou tememos...
Certa é a longa sombra
De nossa árvore sonolenta,
Mas sabemos bem das árvores:
Nos protegem do sol, mas nas chuvas
Sempre saímos molhados...


Diorgi Giacomolli, 18 de Março de 2009.