domingo, 27 de dezembro de 2009

Poema de Natal

Feito há um ano, este poema contraria a maioria de minhas obras, no sentido de que elas tendem a não fazer mais parte daquilo que realmente penso com o passar do tempo. Este Poema de Natal traduz, na verdade, o sentimento que tenho toda véspera da chegada do papai noel, que não existe, mas se existisse, existiria também a dúvida real se ele não se enganara ao vir ao Brasil em dezembro com toda aquela roupa exagerada.


Estes tubarões
De dentes e corações
Nadam em meu leito
Vivem em meu lugar
Disfarçam o que eu não sinto

Um mundo retardado
Multidões e um só fardo
Ó, meu deus, como é grande
O meu Deus que me esmaga
Que me mastiga e não me cospe

Vou construindo meu ódio
Como um castelo de mágoas
Como um mar sem águas
E vou subindo em meu pódio
E já vou sendo campeão
Ergo a taça do champanhe
Na minha vida de comemoração
E brindo a todos vocês
Engulo as pedras que me atiram
Mastigo os sapos que me atropelam
Janto meu delicioso estômago
No meu ulceroso natal defumado
Sozinho e cada vez mais solitário
No fim deste ano que já começou acabado

E brindo a todos vocês
Lindos e especiais
Gentes maravilhosas que amo
Com todo o meu amor
Aquele que não restou
Das minhas desventuras espaciais
Sacudo meu champanhe mais uma vez
A rolha estoura com força
E faz naufragar o meu navio
Que há tempos não vê um cais
E dou um urro de vivas
E de boas festas, de felicidade
E penduro mais uma medalha
Na minha estante, onde guardo
Minha gloriosa coleção de natais.


Diorgi Giacomolli, 23 de Dezembro de 2008.

domingo, 6 de dezembro de 2009

...

Mato teu desamor a grito
E pulo no infinito do teu cobertor
Sussurro um milhão de urros de amor
No céu azul do teu ouvido
E da tua dor destilo
Os desejos mais bonitos
Misturando o teu no meu suor...

sábado, 28 de novembro de 2009

Que Nome Teria?

Tudo o que te atropela e te interpela, toda roda que te passa por cima, que te subestima, tudo e o tudo em si, estão todos ligados ao tempo, são dependentes desta entidade que tem tantos nomes. Então te vem essa vontade de se individualizar, de estar sempre em um apartheid estranhado e interligado com uma coisa qualquer, que não sabes sequer se tem nome algum. E aí temos a família, os anos a seguir, temos a vigília eterna de somente se ir, temos os desencontros diários com o calvário dos outros, e nada disso temos. Nada disso tem volta. Nada disso tememos. Você concorda?


Na esquizofrenia
Eu encontraria
Uma resposta
Uma distração
Talvez
Uma solução
Se loucura
Fosse
Bom
Seria

E a juventude
E a atitude
E o mundo
E a guerra
Uma resposta?
Duas ou três?
E a ironia?
À luz do dia
O sentido
O alarido
O amor
Passando
Sumindo
Entrando
Saindo
A loucura...
Solução?
Uma jura:
A quero então!

Medo da Morte?
A desejo
A almejo
A esqueço
Saio daqui
Algo me diz
Devo ir
E então passa
O amor
A desgraça
Tem cor
É vermelho
É o cabelo
É o espelho
E não me vejo...

E não a vejo!
Então me disse
Então não foi
Então não era
Pra ser
Para nascer
É o destino
É a vida
É o tempo
É a verdade
Entidades
Me mandando
Calamidades
Me afrontando
Me zombando
E sempre é tarde
Estão me vendo
E manipulando.


Diorgi Giacomolli, 25 de Março de 2009.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Fazer Amor

Vejo mundos que me vislumbram quando me acho escondido. Quando não me acho, nada me vê, então também não me penso, ótimo, ao menos arrogância me falta nessa cara sem vergonha, vergonha nenhuma de vir aqui lhes mostrar estes poemas tão suspensos em cadafalsos. Mas este é o grande momento, minha gente, assistamos à execução! Por favor, aconcheguem-se em seus lugares, que a sessão está para começar! Algum voluntário tenho para chutar o banquinho no qual este poema se apóia? Sim, podem vir, não tenham medo do patíbulo, esta noite ele não quer mais ninguém, apenas Fazer Amor.


Pra quê fazer amor, se a moda agora é fazer guerra?

Pra quê culpar o amor, se não sabemos quem erra?

Pra quê fazer amor, se o amor já está feito?

Como fazer amor, se o amor está desfeito?

Pra quê fazer amor, se o amor nos fez?

O que fazer com o amor, depois do que ele fez?

O que dizer pro amor, quando fomos tão corruptos?

O que fazer com o amor, quando nos vem tão abrupto?

O que fazer com o amor, quando nos vem tão cedo?

O que esperar do amor, quando do amor temos medo?

Obedecer o amor, quando já controlamos nossos dedos?

Desfazer o amor, quando ele contou nossos segredos?

Como salvar o amor, quando ele já voou com as plumas?

Salvar o amor, se ele nos largou às brumas?

Fortalecer o amor, quando estamos tão fracos?

Pedir força ao amor, quando o amor está em cacos?


Diorgi Giacomolli, 08 de Agosto de 2008.

domingo, 8 de novembro de 2009

Arquipélago De Um Homem Que Não É Ilha

Se eu fosse falar alguma coisa sobre esse poema, certamente eu falaria nada, pois já comecei a frase com um "se eu fosse falar...", o que indica que nada falarei. Mas como é sempre bom contrariar os outros, e mais ainda a si mesmo, aí vai um poema destes que ninguém gosta de ler, e já me encontro falando sobre o poema. É extraído de Leere, uma das produções que mais gosto, só para contrariar a mim mesmo uma vez mais.


I.

O arquipélago de gentes estranhas é o deserto que eu inventei
Quem me dera usar destes motéis
Respirar o líquido crú dos humanos respeitáveis

E virar o rei do maquinário, sentir o frescor dos relampejos
E, quem sabe, sair por aí, de mãos dadas com alguma Elizabeth,
Pelos Woodstocks impossíveis da vida

Quando das vezes em que mais ainda chorarei sem lágrima,
Ou das que nadarei em rios delas sem chorar,
Hei de ficar muito satisfeito com tudo isso que a gente veio fazer

Se, à parte isso, fostes a parte que me toca,
Eu ainda veria tudo por um prisma nada poliedro
Como a mão que provoca,
Ou o não que desilude,
Ainda me tenho por partes e amiúde,
Mas nada me canta agora,
Ninguém com suaves canções para que eu possa sonhar


II.

Entre uma aula e nenhuma outra sobre alguma coisa,
Sinto-me um tanto vago,
A imaginar poesias que falem de mim,
Então escrevo sobre nada,
Amontoo os vocábulos, e eis que estou melhor descrito impossível

Em uma noite, se caminha para casa devagar,
Com medo de chegar, de se ter um teto sobre o próprio,
Como se os pensamentos fossem os ventos que escaparam de Odisseu

Mas o fato é que sou sempre o ridículo, teatral e perverso,
Depressivo e ininteligível,
Cruzem duas cobras e uma maçã da Índia, e terão um licor,
O manjar envenenado que vem direto de minhas veias

Dizendo nada com o muito que se fala é que represento o universo
(Veja quantos nadas agora trabalham por um tanto que se respira)

E ao representar o universo, de terno, em um destes congressos de medicina,
Me vejo de jaleco,
E é aí que enxergo o quanto somos humanos e vis
E imbecis, tentando ser Aristóteles,
Nos tornando pouco mais que morcegos.

Trágicos molambos na comédia do dia-a-noite
Me provo tão insosso quanto o pão para os ricos
E tão salgado quanto o mar para os olhos
E que venha mais uma destas manhãs
Onde serei um sol girando ao redor do planeta


Diorgi Giacomolli, 25 e 26 de Agosto de 2009.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ser Louco é Normal

Dizem que há uma manhã em que todos nos acordaremos com fome e não vamos comer nada, apenas ficaremos a escutar o som dos pássaros lá fora, sem nada pra dizer, apenas cantando o que a natureza irracionalmente os mandou cantar, alguns até diriam que é para embelezar o dia, mas esta manhã estará nublada. Dizem que haveremos de, todos nós, contemplar os dessegredos deste ex-mundo de deus, de reclamar para um ex-deus do mundo qualquer de nossas misérias, e ouvir em retorno a resposta irretorquível de que não somos miseráveis coisa nenhuma, e então nos sentiremos contentíssimos demais para voltar pra casa, e nos sentaremos na estrada mesmo, bem ali, onde nos foram dadas as respostas, e... Perdão? Ah! O poema... Sim, sim... Está logo abaixo. Divirta-se!


É aniversário das coisas de amanhã
Já percebo o quanto sou solitário
Minhas maneiras de viver passeando por aí
Meus rumos se amontoando no assoalho

Já passei por tantas fadigas engraçadas
Já perdi o brilho de todas as caras
Agora presto tanta atenção nas gentes
Quanto o chão presta na escada

Sei que é normal
Sei que ser louco é trivial
Ninguém é louco de verdade
Sou um manancial
De mágoas, sou a eternidade
Que cabe nos fundos da tua casa

Eu tentei ver no espelho dos corações
E alcancei os olhos de ninguém
Afugentei a cabeça das canções
Mas das lembranças tuas não escapei

Vi muitas almas virando outras tantas
Quase todas sorriam pra mim
Mas agora é aniversário de amanhã
Vou ver o que faço com meu jardim


Diorgi Giacomolli, 17 de Março de 2009.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Monturo

(Digite aqui sua introdução para este poema).


Contente com o alheio repúdio
Passo vendo as caras escarninhas
Em um corredor doente e imundo
Feito um jardim de ervas daninhas

Um sorriso curto me serve de escudo
Vou até o fundo, de onde fico atento
A cada parte de nada, e a cada tudo
Pendurados no ar parado e amarelento

Abro da janela uma pequena fresta
Pra deixar sair a doença dos corpos
Os porcalhões continuam a festa
Dando guinchos felizes, feito porcos

Querem a minha saúde e liberdade
Querem minha vaidade e desdém
Mas eu não sou dessa cidade
Nem estou próximo a ninguém

Logo me esquecem, pra meu deleite,
Vendo que não me podem seqüestrar
Então deixo de ser o enfeite
Da alheia maldade e bem-estar

Vou para casa, mas não é o fim
Amanhã tem mais corredor eterno
Meu paraíso vai continuar assim:
Até dezembro com cara de inferno.


Diorgi Giacomolli, 20 de Agosto de 2009.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Balada da Infância Perdida

Até agora não havia postado aqui nenhum poema de Sociofobia, meu segundo livro. Esta balada que aqui se encontra não tem muito a ver com o título do livro, que este só ganhou tal nome por causa do poema de abertura do mesmo. Agora, dizer que Balada da Infância Perdida não tem a ver com o título do livro é um equívoco - quem foi que se atreveu a tal disparate? Bem, deixa pra lá, peguemos o criminoso depois. Esta obra exemplifica, sim, os problemas sociais que vinha enfrentando o seu autor na época em que a produziu: no momento em que negas tua infância, é um momento em que te encontras em um não-presente.


Se alguma vez fostes criança
Criança nunca fostes em vida
Tudo o que tens são lembranças
De coisas supostamente vividas

Foram, talvez, sonhos confusos
Imagens pelo tempo ressequidas
Memórias que, quando no túmulo,
Serão eternamente esquecidas

Então terás novos sonhos
Em uma vida chamada morte
Talvez pesadelos medonhos
Talvez não dormirás, com sorte

Dançarás então a morta dança
A balada da infância perdida
E se em morte vives, esperança
É o que tens por enrustida

Mas dessa morte virão novas vidas
E destas, ainda, outras crianças
Certamente de existência fingida
De um fingimento que nunca cansa


Diorgi Giacomolli, 16 de Março de 2008.

domingo, 4 de outubro de 2009

Linda

O Poeta Morreu é realmente a produção que mais me agrada. Penso que foi neste livro que consegui dizer tudo o que sentia antes, durante e depois de minhas terríveis diásporas, que foram terríveis na época, agora são tão importantes quanto o que fiz ontem: nem sequer me lembro, nem sequer volta. Quando escrevia tal livro, tinha na cabeça a seguinte ideia: não mais farei poemas. Hoje vejo que a ideia de morte ao poeta que fui/era/sou (?) não era alusiva ao fim da poesia, nem um pouco, mas sim ao fim da musa. Ao esgotar-se a fonte da inspiração, o bardo agoniza por algum tempo mais, e finalmente tem o seu termo. É por isso que O Poeta Morreu foi a ante-penúltima de minhas obras, e não a última, mas bem que poderia ter sido.


Aconteceu tudo que tinha, linda,
Aconteceu e foi...
Todos os sobrados da rua desabaram,
Os prédios mais altos sumiram...
Tudo o que eu encontrei, na verdade,
Não havia sido encontrado.

Cá distante, nessa existência cansada,
Linda, assisti
Aos maiores titãs entrarem em desacordo.
Quisera eu, uma vez, tomar parte,
Pequena,
Mas há certas coisas que não são certas,
E outras são coisas outras,
Certamente erradas.

Quiséramos nós, amada,
Lutar contra os tempos,
E talvez até, nos temporais, tenhamos tentado
Ou talvez tenhamos só querido,
Meu bem, e assim
Não é o jeito certo, algo me diz,
De ser lutado, não é assim
Que deveríamos ter encarado.

Mas dizer o que é devido ou não,
Princesa, é muito vago...
Creio que devamos apenas nos contentar
Com o amor que temos, ou tivemos,
Ou tememos...
Certa é a longa sombra
De nossa árvore sonolenta,
Mas sabemos bem das árvores:
Nos protegem do sol, mas nas chuvas
Sempre saímos molhados...


Diorgi Giacomolli, 18 de Março de 2009.

domingo, 20 de setembro de 2009

Vinte

Este poema é uma velharia, tanto no sentido de que faz parte dos mais antigos de meus escritos, quanto no de que trata de um assunto saudosista ao extremo. Feita pouco mais de um ano após eu ter me iniciado no mundo da poesia, esta obra faz parte de Nouz Ru Nouz, o primeiro livro de poemas que de mim nasceu. E por falar em primeiro, este foi o primeiro - e também o único, até o dia de hoje - poema que escrevi sobre o meu sentimento gaúcho. E considero que terá sido também o último, pois tudo o que sinto com relação ao meu Estado - que é meu país - está contido nestes versos, mesmo que eu não seja mais um saudosista: meu atavismo farrapo grita forte dentro de minhas veias diariamente.


Saí da minha casa estranha, procurando minhas origens...
Talvez não tivesse porquê procurar,
Pois aqui dentro elas residem;
Mas me parece que o cavalo ainda troteia,
Só o guerreiro é que não monta mais:
Ele anda sem espadas, sem botas, não sei como sobrevive,
Ele tem vergonha de sua gente, não sei como isso existe...

Cheguei na estrada, mas vi que ela era de pedra:
Parece que alguém a fez, e não foi a Mãe Maior,
Parece que as novidades desvalorizaram nosso suor...
Se o homem da nossa terra precisa fazer coisas fortes,
Que vá lutar, que vá ganhar com o braço a própria sorte!

Peguei, pois, a estrada, pra ver se me levava a algum destino,
E percebi, num barulho de máquina repentino,
Que até o cavalo já não corre;
Vi uma lágrima cair na terra confusa
Por uma cultura que morre,
E enxerguei no campo o gado escapar
Pelo meio da cerca, vi o pago chorar,
Pelo meio do caminho, me vi sozinho a desabar...

Então passaram heróis em cavalaria,
E uma minoria salvou o lubuno dia...
Um facho de esperança me rebenqueou peito adentro,
E vi até gurizotes galopando ao vento!
Ao chegar na minha velha querência,
Meu olhar vago encontrou abrigo:
Dei aquele grito largo, e vinte mil gaúchos gritaram comigo!


Diorgi Giacomolli, 20 de Setembro de 2007.

domingo, 13 de setembro de 2009

Nada Pra Dizer

D or G - That is The Question é o título do livro, ou talvez um empréstimo sarcástico de Shakespeare, ou, ainda, algo que represente uma possível crise de identidade enfrentada na época. Provavelmente as três coisas, com certeza absoluta na primeira - pois de fato é o título do livro do qual vem este poema, que tem o nome que qualquer um de meus poemas poderia ter, conforme o pobre leitor - não, não colocaremos assim, pois não tenho conhecimento do interior de seu bolso -, então fica assim: (...) conforme o enfadado leitor deste blog poderá conferir [presumindo-se que vá ler todo o enfadonho conteúdo]. Ao honrado visitante deste pequeno espaço - pequeno porém imensurável, visto que é cibernético - que procura por escritos de auto-ajuda, sugiro que não me peça sugestão.


A casa cai, a notícia chega,
A mãe sem pai, o filho às cegas,
O cara da TV não me vê,
Não quer saber do que vai acontecer,
E não vai se importar
Com a notícia que acaba de dar;
Eu também, que não tenho nada pra dizer,
Venho aqui querer criticar (?!).

Meu pai, teu filho,
Eis o que há, eis o que será:
Somos figurinhas repetidas
No álbum das folhas apodrecidas
De um mundo que com sorte acabará.

Não sei mais de versos,
Gastei-os todos
Nos agostos, nos retrocessos
Da minha juventude, que não pude
Ter só pra mim.
E, se quer saber, já cansei
De tudo o que escrevi: e o que escreverei,
Podes saber, não será pra ti.

E nós aqui, subprodutos do futuro,
Sabemos que o passado não importa,
A não ser pra História e seus estudiosos,
Comunistas, sempre com as caras enfiadas na porta,
Querendo um mundo igual pra toda essa gente diferente!

Um duende verde sentou na mesa oposta
E me revelou, em tom de resposta,
Que só o que sobrou
De tudo o que se gerou nesse mundo corcunda
É a segunda, que o domingo já acabou.
E a cerveja, que não acabava nunca,
Não era a mesma, era já outra, funda,
De tanto que era o meu pensamento,
Ora, a cerveja nada tem a ver com a semana,
Que pertence ao tempo, essa insana,
Que a cerveja é como a segunda, que restou
De um domingo de amor que se findou.

Me sinto agora
Como que caminhando no Largo da Cruz,
Embora esteja tão longe,
E a pergunta - Why have you forsaken me? -
Surge de mais longe ainda.
Não sei se largo a cruz, ou se rimo
Com lago da luz,
Mas a rima não é o que importa agora,
E nem você, a quem dirijo tal pergunta -
Por que você me abandonou? -
Deixa pra lá, que a resposta também não importa mais.


Diorgi Giacomolli, 13 de Outubro de 2008. *

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Soneto Abortado

Outra do, até então, mais inspirado livro de poemas que escrevei - O Poeta Morreu, este soneto sem métrica, como são todos os meus sonetos, nasceu de um útero gélido: um falecido amor deu à luz esta obra, um destes amores que a gente mata na mudez e depois nega a existência do próprio, mentindo homericamente bem para nós mesmos que tal sentimento nunca nascera, a ponto de acreditarmos em tal calúnia que, se verdadeira fosse, abençoada seria. Mas eu não me engano: tal amor nascera, sim. Mas nascera já defunto. E - curioso! - agonizando, coisa que faz até hoje.


O amor é um útero frio
E a gente sempre nasce morto
Depois vive com o mal do pé torto
Tendo que andar no meio-fio

O amor é um útero sombrio
E a gente sempre sai de aborto
E vaga como naus longe do porto
Nadando como peixes sem rio

Por duas vezes tive o grande momento
De chorar nessa minha vida,
Uma por fora, outra por dentro...

Uma na entrada, outra na saída:
Ao sair do ventre de minha mãe querida,
E ao escapar de um amor agourento.


Diorgi Giacomolli, 19 de Abril de 2009.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Eterna Mente

Um passeio em sonho... Ou um sonho em pleno dia, desperto porém imaginativo...? Não sei bem. Mas esta poesia, retirada de Leere, o sétimo livro, faz uma tentativa de propôr à Vida, esta mulher incansável, uma maneira de melhor funcionamento, uma humilde sugestão de como poderiam as coisas darem certo. São complicadas as complicações do corpo, fardo inimaginavelmente pesado para a alma, mas a mente pode e deve tornar-se eterna frente a tudo isso.


Fui ao Jardim da Morte e me encantei
Flores que não mudam, folhas que não caem
Gramados que duram, gentes que sempre atraem
Corri por dias nos prados e não cansei

Quis me sentir um rei, mas não me atrevi
Seria vital: audacioso e sem perdão
Então, humildemente, corri e mais corri
Feliz, pela ausência de um coração

Estava morto, e isso era uma dádiva
A vida dava certo, pois não era assim chamada
Foi então que ela veio até mim, muito ávida
E juntos fomos para uma caminhada

Colhi rosas negras pra ela, que sorriu
Nos deitamos, tranquilos, sobre a relva
Fomos nos banhar em um lindo rio
E acendemos uma fogueira na selva

E assim passamos a noite: bem aquecidos
E acordados, que dormir não era preciso
Dias passaram em que só admirei o seu sorriso
Vivi aquilo com todos os meus treze sentidos

Então chegou o momento de ela não ir embora
Soltei morras - e não vivas, pois não via a hora
Então nos abraçamos uma vez mais
E mais uma vez nos amamos em paz

Assim se vivia no Jardim da Morte
A vida era morta, e o fim não florecia
As flores eram pardas como a sorte
De quem na não-vida vida não via

No Jardim da morte muito feliz fui
Ria com o riso que da criança flui
Para lá hei de voltar, como de lá saí
Sem saber como, sem ser como aqui


Diorgi Giacomolli, 17 de Julho de 2009.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Dia Sem Fim

Seguindo a linha de raciocínio de "Procurando Ouro", que é não ter absolutamente linha alguma, mas representar o abandono em nossa vidas que algumas mudanças podem nos proporcionar, "Dia Sem Fim" foi também extraído de Penseira. Este poema retrata parte de meu momento atual, com a diferença que o "um ano" é agora apenas meio. Não sei se é bom ou se é ruim.


Minhas histórias lá ficaram
Dois anos e elas voltaram
Me dei conta, conta não me deram
Rodei em cima da cama
E vi as voltas que não eram

De poucas palavras eu não sei
Não preciso do que eu precisei
Não sei o que seria de mim
Sem essa minha melancolia
Estou no mesmo dia que não tem fim

Sei que o nada é um tudo insuportável
Não sei de nada, e isso é lamentável
Ouvi as palavras de quem disse que ama
Me pareceram as pragas de quem reclama

Está quente, e eu sei que é o mesmo que frio
Achei e extraviei o um de um mil
Eu quis assim, e não é exatamente o que eu queria
Agora mais um ano dentro desse interminável dia


Diorgi Giacomolli, 28 de Dezembro de 2008.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Lar Algum

Outra de O Poeta morreu, este é um escrito que traz consigo um sentimento que tenho toda vez que brigo com alguém que amo. Essa gana de sair correndo pra algum lugar, qualquer lugar, desde que nos faça sentir em casa, sabendo que não haverá outro que não aquele do qual se fugiu. Esse desencontro interior, de se vagar por horas no deserto, então eis que se vê uma caverna, mas não há lugar para você lá, melhor ficar no frio da chuva, ou junte-se aos lobos famintos no calor do seu interior, ou então volte para onde veio, ou então cesse de existir.


Incubado em uma verdade solitária
Revisito tudo o que já foi pensado
Combato a sombra que me é contrária
E todo e cada sentimento não convidado

Sofro porque amo, e este é o meu lugar
Ter um amor lindo e estar sempre longe
E não saber nada além de amar
É o que me difere de um monge

Passam felicidades lá fora, na estrada
Daqui as vejo, com ar de euforia
Ao meu lado a depressão, bem acomodada
E feliz, pois não consegui o que queria

Vivo em uma casa onde não posso estar
Essa casa fica em lugar nenhum
Ainda hei de saber o que é um lar
Ainda descubro se um dia tive algum


Diorgi Giacomolli, 08 de Março de 2009.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Procurando Ouro

Retirado de Penseira, este poema guarda uma história um tanto engraçada, ao menos para mim e uma amiga. Eu estava na faculdade, era um fim de tarde, sopravam agradáveis ventos, destes que só temos na primavera, e eu estava na sala onde fazia os atendimentos da monitoria, para uma disciplina do curso de Letras. O último aluno havia acabado de sair, e eu havia passado as últimas quatro horas lecionando e pensando em escrever um poema no qual ficasse claro o lugar em que eu me encontro: "lá". Que, na verdade, é o meu aqui. Mas sinto como se os últimos trinta e dois meses houvessem passado sem que meu corpo tivesse junto de si minha alma. Minha ficou no lugar de onde meu corpo partiu. E agora meu corpo está "lá". E eu ainda não saí de onde eu quero tanto voltar.

Mas esta não é a história engraçada. Quando o último aluno saiu, e eu finalmente pude pôr no papel tudo o que tinha em mente, fiquei tão satisfeito com o que vi, que decidi recitá-lo para uma amiga. Esta cursa Biologia e, curiosamente, naquela mesma tarde, ela havia pesquisado sobre ácaros. Ei-los em meu poema:


I.
Eu fui pra lá, e lá fiquei,
naquele lugar de fazer lei
por qualquer trocado.
Mas eu não troco por nada, não nado,
não toco na desfigurada
cara do sábado onde desemboco.
Desfilo por esses bueiros
e, como em passeios faceiros,
sinto os gorjeios dos pássaros,
loucos de galanteios
pra cima dos ácaros de minha almofada.
Mas sou egoísta, não dou nada,
não peço, e confesso ao malabarista:
minha corda bamba foi arrebentada.
E aí tocou um samba,
bem na hora de ir embora,
pediram pra ficar, sorte eu não saber sambar,
azar eu estar nesse lugar...
Mas isso são outros quinhentos,
os inventos são outros, e os outros
não são a gente, que a gente
é só um bando vagando e procurando ouro.

II.
E ainda estou lá.
Decidi ficar, pensei no acolá,
mas não ia funcionar.
Fiquei lá mesmo, é o melhor lugar,
sendo que o silêncio me cegaria
e eu jamais chegaria a me consolar.
Abelhas batendo no vidro,
querendo sair, duvido que vão conseguir,
mas elas acreditam e insistem,
não se irritam nem desistem,
são capazes mesmo de atravessar.
Os cartazes dizem pra participar,
e o que fazes é ler e ignorar,
mas uma hora eu ainda chego aqui.
Já me cansei de tudo o que vi,
quero um mundo novo, conhecer outro povo,
cruzar meu nome sem me preocupar
com o sobrenome, que a essa altura
nem vai importar.
Quero uma lonjura, dessas de não enxergar,
cair de uma altura sem nem despencar,
lutar sem armadura,
na certeza de que não vão me machucar.
A beleza eu quero poder ver
sem sentir dor, nem precisar de amor, nem sofrer.
E de meu, só uma bagagem,
guardando histórias de viagem, e um violão,
pra fazer som com qualquer cidadão
que aparecer no caminho.
Não quero fazer ninho, somente bater asa,
e nada de casa! Eu não quero morar,
só quero vagar e mais vagar,
numa rapidez devagar, pois que viver não é o que faço.
É estupidez me limitar nesse espaço,
eu devia estar vivendo, e não só respirando,
só caminhando, comendo e dormindo.
Quero vagar, ir indo e mais indo,
devagar, quero conhecer o viver, sorrindo.


Diorgi Giacomolli, 24 de Outubro de 2008.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Invasão dos Tempos

Ao compôr esta obra, investida que me custou pouco mais de quinze minutos, muitos pensamentos me rondavam a cabeça, como moscas rondando carne pútrida. Era uma tarde friolenta em Canoas, eu estava na faculdade, tinha ido até lá para entregar um trabalho, a última atividade do semestre, e estava bem feliz por isso. Lembro que no dia eu andava na metade da leitura de Eugênia Grandet, e é interessante como o Balzac já falava coisas como "hoje em dia, o dinheiro é o único deus no qual as pessoas realmente têm fé", e isso em 1833. Bem, no fim das contas, nada disso tem a ver com o poema.


nós vivemos a invasão dos tempos
interferências tecnológicas no jeito de amar
nós tememos o que vem com os ventos
e que venham a pôr preço no ar

no metrô é cada um por si
e cada si contra o mundo inteiro
ora, não entendi,
diria o mosqueteiro

não sorria pra mim!
não me olhe assim!
você nem me conhece,
por que estás sendo gentil?
é cada um que me aparece!
o que vai ser do brasil?

ora, não seja tão político,
você pode simplesmente dizer que não vai...
mas eu vivo na polis, como não ser cínico?
êta cambada de filho sem pai!

amei a solidão
mas ela evoluiu
agora é vazio
chame involução
se preferir
se lhe servir
o chapéu
eu vou vestir
o céu

estas nossas tempestades vividas
estas nossas datas queridas
uma situação chamada problemas
imutável geração após geração
mudam os algarismos, os teoremas,
permanece a mesma equação

esta nulidade de afazers
estes amanheceres, estas cidades
estas derrubadas
estas quedas de avião
crianças enlatadas
para ter educação

não sei se procuro um amor
ou se protesto contra o senador
tanto faz, pode ser morena, ruiva, loira,
apenas uma que me ame e que me mereça
ah, quer saber? esqueça!
vou protestar contra a governadora

não sei se peço um impeachment
ou se vou pro video game jogar hitman
ou se vou pros eua de uma vez
é dose agüentar esse portuglês
diabo de estrangeirismo!
o que é isso, crise de identidade?
falta de otimismo?
complexo de inferioridade?

não sei se ser brasileiro é pessimismo,
ou se ser humano é fatalidade


Diorgi Giacomolli, 16 de Julho de 2009.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Meu Amigo e Eu

Da série minúscula, este é um poema particularmente curioso. Ele narra uma conversa que tive com um amigo lá por final de abril deste ano. É claro que o poema possui alguns exageros artísticos, mas pode-se dizer que é bastante fiel ao fato, fora uma conversa bastante intrigante e interessante. E a curiosidade desta obra está no fato de ter sido o único poema que escrevi até hoje sobre uma conversa com um amigo. E mais: essa conversa foi a primeira que tive com esse amigo. Foi dali que saiu tal amizade.


nossa mente tem limites
é como uma área cercada
curioso é a ignorância
não poder ser limitada

foi um amigo que me disse
essa verdade sem igual
e nós rimos debilmente
desse mundo débil mental

ele disse que as pessoas
lhe dizem, agressivas,
que, em vez de coisas boas,
ele diz coisas depressivas

então eu lhe disse: meu amigo,
não permita esse absurdo,
diga a eles o que eu digo:
depressivo é o mundo!

e nós falamos sobre o belo
tempo de nossos avós
é mais um perdido elo
nesse nosso mundo atroz

nós ficamos pensando
nos humanos humanóides
andróides se mostrando
pra um mundo debilóide

falamos da realidade,
do amor, que é descartável
e sentimos uma vontade
de chorar incontrolável

então trocamos de assunto
e falamos da solidão
ninguém mais quer ficar junto
nesse mundo grosseirão

mundo onde doença é lucro
remédio sofre inflação
um dia o meu sepulcro
enfrentará super-lotação

mas ficamos bem contentes:
o mundo ainda tem chão
senão, onde dormiriam
os mendigos, sem colchão?

suspiramos imensamente
como forma de gratidão
então rimos mansamente
desse mundo mongolão


Diorgi Giacomolli, 05 de Maio de 2009.

O Poeta Morreu

Fiz este poema em março deste ano, para ser mais exato, no dia 14. A ideia que o concebeu é muito simples: a poesia em mim estava para ter o seu termo. Escrevo poemas desde os 18 anos de idade, mas, de certa forma, com a proximidade do fim do ano de 2008, comecei a sentir que não devia mais lidar com poesia, e sim, partir para a prosa de uma vez por todas. Digo assim pois sempre me aventurei pelos campos da prosa, ainda que sempre brevemente, com pequenos excertos de ensaios, mas nunca os levara adiante. Então, ao cabo dos dois meses finais do ano passado, sentindo que minha musa inspiradora de versos estava distante o suficiente, cheguei a pensar que O Poeta Morreu - título homônimo desta obra que lhes apresento agora - seria meu quinto e último livro de poemas. Mas me enganei. (Depois dele veio outro, e já estou no meio do sétimo.) E o fato de ter batizado este blog com tal nome é um reflexo da minha constante sensação diária de que estou a escrever o último poema...



O poeta morreu e não sabia mais o que fazer.
Escrevia, escrevia...
Mas aquilo não parecia escrever.
O poeta não sabia mais quem ser...
O poeta não entendia como isso podia acontecer,
Isso de se ter uma sangria
E não mais rejuvenescer...
O poeta pensou que enlouquecia...
Mas viu que o que sentia
Era pior do que enlouquecer:
Era a mais pura agonia!
Eram saudades de alegrias
Que ele não podia mais ter...
O poeta só queria viver!
Mas morreu, e foi de morte tardia:
Ele pensou que vivia, que existia,
Mas não sabia existir nem viver...
Ele pensou que amava, que sentia
Amor algum, mas viu que não havia,
Que só o que lhe cabia era esquecer...
E morreu. (Tinha que morrer.)
E que morte tão sadia!
Pra quem não vivia,
Foi uma morte de inveja se ter.


Diorgi Giacomolli, 14 de Março de 2009.